Pois é, amigos... De tempos em tempos alguns assuntos que eu considero filosóficos povoam a minha mente, e voltam a me perturbar. Há muito tempo atrás, aqui neste mesmo blog, falei sobre o que eu pensava, em linhas parcas, sobre o tal do livre arbítrio, que pregam algumas religiões... Na mesma postagem falei sobre a falta de liberdade da nossa democracia. Seguindo a mesma linha de questionamento, e impulsionada por um belíssimo vídeo do Pirulla, fui tomada por uma tempestade cerebral que tomou conta do meu domingo. Pirulla deu o tom, Daniel Fraga veio com as idéias revolucionárias, e eu fechei com um monte de dúvidas, digamos, existenciais... Vamos colocar toda essa salada aqui, para apreciação (ou não) pública?
Acho que temos que começar com o vídeo que suscitou tal exercício mental... Quero fazer um grande agradecimento ao Pirulla, por ser esta pessoa disposta a dar a cara a tapa na internet, e proporcionar alguns momentos de diversão educativa para esta que vos fala. Quando a televisão extrapola os limites do besteirol e da lavagem cerebral, é a canais como o dele, no youtube, que recorro.
Este vídeo é uma obra de ficção muito bem engendrada, que explana um futuro sem liberdade de expressão. E foi impulsionado por um episódio com outro vlogueiro. Daniel Fraga foi processado (ou não) por um juiz que se sentiu ofendido com as palavras proferidas por ele em um vídeo do mesmo no youtube. O caso é que esse moço, Daniel, é assumidamente um anarco capitalista (acertei o termo?), e tem um blog que noticia as incongruências do sistema democrático. E, em conjunto com o blog, ele tem um canal no youtube, onde explana suas idéias, e faz suas denúncias, de maneira bastante veemente, em vídeos. Eu poderia citar qualquer vídeo desse moço, para exemplificar o que seria uma boa, inteligente, porém agressiva, maneira de se colocar idéias. Ele pode parecer bruto num primeiro instante. Mas se você consegue abstrair este sentimento inicial, e continua assistindo aos vídeos, percebe uma mente pensante por trás de tudo. Não sei muito sobre o Daniel, mas ao assití-lo tenho a impressão de ver alguém que não desistiu de ter um vida bacana, talhada por ideais muito singulares.
Pois bem... O caso aqui é falarmos da liberdade de expressão. Daniel foi processado (ou não), por este vídeo aqui (e vamos agradecê-lo pelo trabalho duro no youtube):
Então, o cerne das críticas dele já era a tentativa de um candidato de censurar a livre expressão popular numa rede social. E é aí que começamos nossa discussão. Digamos que eu faça algo de errado com você. Cause um grande prejuízo em sua vida. Até onde vai sua liberdade de espalhar xingamentos a meu respeito? Você se ofende quando alguém te xinga? Sente-se lesado moralmente? Acha que a pessoa em questão te deve alguma coisa em reparação às ofensas? Estas são minhas perguntas. Por que está certo que falemos mal da presidente Dilma, por exemplo, fazendo piadinhas e tirinhas em redes sociais, e as propagando, e não está certo fazer o mesmo com um vizinho? No que o seu vizinho é melhor que a Dilma?
Minhas perguntas têm uma razão de ser. É normal, e é saudável que expressemos nossa revolta em relação aos desmandos dos nossos governantes... Então, por que haveria de ser considerado uma ofensa, o ato de qualquer pessoa me xingar no meio da rua? Temos dois pesos e duas medidas para as coisas? Este é um ponto...
No caso deste vídeo, Daniel profere alguns xingamentos bem pesados, e denigre com palavras a imagem do nosso sistema judicial. Bom... Nada que eles já não façam sozinhos. Mesmo assim, levemos em conta que houve uma divulgação em massa desse vídeo. E ele foi processado, e quase censurado, por isso. Se isso tivesse ocorrido, não só estaríamos calando um vlogueiro, como também tirando um conteúdo informativo da web. Ou seja, o governo estaria, de certa forma, decidindo o que você pode ou não ver. O xingamento foi pesado? Sim... Mas, se queremos prever que há a liberdade de expressão, devemos acreditar que a maneira correta de se agir em relação a isso seria a liberdade de resposta do juiz.
Alguns de vocês deve estar pensando: ele respondeu com um processo. E aí vou ter que concordar com Daniel em muitos de seus outros vídeos e dizer que essa resposta foi pouco proporcional. Afinal de contas, por trás do processo judicial, há todo um sistema governamental, que inclui a polícia, com seu poder de encarcerar quem não faz o que é pedido pelo governo. Se uma pessoa me xingar no meio da rua, terei este mesmo aparato para me defender?
Pensei em uma série de outras coisas subjacentes, depois de assistir a muitos vídeos do Daniel, em sequencia. Inclusive nesta louca ideia dele de uma vida sem governo instituído. Vamos fazer um exercício de imaginação. Se não houvesse governo, estaríamos todos à merce dos julgamentos pessoais de cada um. Vamos supor que eu seja um pouco mais nervosa do que você. Aí, você me vê na rua e me xinga de gorda espaçosa. Como não há leis, e o que impera é o livre comércio (segundo a ideologia do Daniel), eu tenho uma arma, por que posso pagar por ela. E, acontece que não gostei de ser chamada de gorda espaçosa... Hum?!? Como não há leis que me coíbam, eu dou um tiro no meio dos seus miolos, por que estou usando meu direito de resposta. Claro que isso não ia ficar impune. Alguém ia querer se vingar, e um ciclo louco de matança iria começar. E o caos estaria instalado...
E sim, Daniel, o caos estaria mesmo instalado. Por que seres humanos são assim: imperfeitos, corruptos, espaçosos e sem senso de coletivo. Todos, inclusive eu e você. De vez em quando é bom que haja uma voz mais grave, um grito de razão, para brecar os desmandos de mentes imperfeitas. E eis o porquê eu tenho um pouco de receio desta ideia de anarquia. Eu não confio nos seres humanos. Eu não acredito na bondade deles. Só por isso.
Apesar de pensar desta forma, muitas ideias do vlogueiro ficaram martelando na minha cabeça. Ele tem razão em muitos pontos. O governo instituído é formado pelos mesmos homens não confiáveis e imperfeitos. E aí você coloca esse tipo de ser no poder... Boa sorte com isso! É a minha opinião. O poder corrompe, por que há possibilidade de corrupção da mente humana. E uma grande ferramenta do poder é a manipulação das massas. Como impedir que milhões de pessoas te catapultem de sua cadeira de presidente, à força, no primeiro sinal de descontentamento, senão através da manipulação das ideias? Um veículo importante para isso é a divulgação de notícias em massa. Ou seja, você noticia coisas boas, e falsas, em sua maioria, por bastante tempo, num meio muito acessado, até que as cabeças que são alimentadas por essas mentiras se convençam... Junto a isso, você cria um sistema de muitas obrigações, e alguns direitos, para fazer com que essa massa pouco pensante trabalhe para você. E, em trabalhando para conquistar o que eles acham que precisam, não sobra tempo para questionar nada. E eis aí a base para qualquer sistema de governo populista.
E eis aí o porquê, de repente, juízes se ofendem tão facilmente com vídeos pequenos de simples vlogueiros. O problema não é o conjunto de palavras proferidas, e sim, as idéias fomentadas por este vídeo. E quando se tem a tentativa de manipulação de idéias, através de veículos de massa (e a censura faz parte disso), não se pode falar em liberdade...
E é exatamente aqui que reside minha inquietação. Fala-se muito em liberdade de expressão. Mas ela existe de verdade? Fala-se muito em igualdade de direito... Mas eu sofri bulying na escola, a minha vida toda, e não pude processar ninguém por isso. Mas o tal juiz pôde processar o Daniel por UMA palavra proferida em relação a sua pessoa. Que igualdade é essa??? Pra mim, a nossa Constituição está começando a parecer a Bíblia. Num parágrafo diz algo, e no outro, se contradiz... Assim fica difícil saber a regra do jogo. Assim fica difícil jogar. Podemos dizer que não queremos mais participar??? Não... Por que, se não queremos participar, então teríamos que nos mudar. Eu não posso deixar de pagar impostos... Por que vou presa se o fizer. Ou seja, não sou livre para escolher aonde investir o meu dinheiro! Meu dinheiro? Só por que eu trabalhei para ganhar? Acho que não...
Quero contar algo que aconteceu ontem. Um senhor caiu na minha rua, em frente ao meu prédio, por estar bêbado. Bateu a cabeça, e a machucou. Alguns vizinhos viram o ocorrido, e tiveram a amabilidade de chamar os bombeiros. Eu apareci neste momento. Sentei-me no chão, e comecei a conversar com o senhor. Queria saber se ele tinha uma casa, pra onde pudesse ser levado... Ele chorou, disse que veio da Bahia, que era pedreiro, não era vagabundo, mas que a bebida era a desgraça da vida dele. Disse que trabalhava aqui perto, falou o nome do patrão. Mas, aparentemente, ele não tinha casa mesmo. Aí, algum tempo depois, chegaram os bombeiros. Foram gentis, e recolheram o homem da rua. Disseram que, naquela situação, era uma boa coisa que ele estivesse sangrando, por que essa era a desculpa para que eles pudessem agir. Do contrário, eles não poderiam socorrer o homem. Seria um serviço para o Samu, que já tentei chamar em diferentes ocasiões, e nunca veio. Enfim... Aí, perguntei pro bombeiro para onde ele ia ser levado. Falei que o Hospital São Paulo (3 quarteirões dali) não era a melhor opção, por que não há um bom serviço de assistência social lá. E o senhor demonstrou vontade de mudar de vida. Poderia bem ser encaminhado para serviços de livramento de dependência química... Enfim... O bombeiro concordou comigo. Disse que ia levá-lo para o Saboia, no Jabaquara, por que lá esse tipo de caso é melhor tratado. Eu agradeci. E me lamentei, pois um dia houve um bom serviço social no São Paulo. Ao que o bombeiro me respondeu: agora eles preferem gastar nosso dinheiro com o 'Bolsa Família'.
Não encontrei um só cidadão a favor deste benefício em anos da existência dele... Um amigo meu, mais radical, diria para eu dar umas voltas no interior do Nordeste. Mas é possível que algo tão controverso seja implantado a contragosto de boa parte da população? Pois é... Minha indignação é tanta, que nem consigo colocar meus pensamentos em ordem para tentar fazer algum sentido para vocês. Está tudo tão errado. Mas seria isso um reflexo do que somos? O ser humano é assim tão tosco? E então, neste caso, temos que ver essas coisas acontececendo, e não podemos expressar nossa indignação? Serei processada por falar contra o 'Bolsa Família'?
Muita coisa tem que mudar, a começar pelas mentes humanas. Liberdade é algo fantástico. Mas, só pode haver, quando há uma iluminação intelectual que por si só regule os comportamentos, sem que haja necessidade de coerção. E se há a necessidade disso, então não há liberdade. O que há é o medo de falar e ser reprimido, de fazer e ser torturado.
Diferentemente do Daniel Fraga, não consigo ter toda essa fé na humanidade. Não vejo como as coisas possam ser completamente justas. Seleção natural seria justiça? O mais forte prevalecendo? Por que é isso que a anarquia faria. Bandidos, fortes em sua convicção de matar, sem serem corroídos pelo remorso, prevaleceriam sobre pessoas com consciência. Ladrões, sem escrúpulos, dispostos a roubar sem sentir o remorso de estar tirando algo de alguém, prevaleceriam sobre pessoas menos dispostas a cometer as mesmas atrocidades. Se não há punição, não há medo. Se não há medo, em alguns casos, não há impedimentos. Daniel, sua fé na humanidade é tanta que você estaria disposto a viver numa sociedade sem regras, para ter o prazer de contemplar a liberdade? Eu prefiro estar viva na gaiola...
Enfim... Todos esses questionamentos me fizeram pensar que não, não há liberdade no modo em que vivemos. O que precisamos delimitar é o quanto estamos dispostos a comprometer. No caso específico suscitado pelos vídeos sugeridos, acho que podemos chacoalhar essa gaiola, e ameaçar derrubá-la, para que não tenhamos uma lona colocada sobre ela.
JulyN
PS: O juiz que queria processar Daniel Fraga, retirou a queixa... Assistam ao vídeo onde o acusado mostra detalhes do processo, e entendam algumas incongruências deste caso.
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