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30 de nov. de 2015

A groselha do meu ser: Matthew Shepard and James Byrd, Jr. Hate Crimes Prevention Act... - A parte em que eu conto a história de Matthew Shepard.

Matthew Shepard - 1976-1998
Imagem cortesia de Wikipedia.
Olá, amigos e amigas. Tudo belezinha? Bom, com este texto espero voltar à premissa inicial deste blog, que é provocar discussões à respeito dos mais variados assuntos. Para figurar aqui, basta que eles tenham passado a fazer parte do meu repertório, por qualquer razão, ou em qualquer circunstância. E eu normalmente não chegarei à conclusão nenhuma, por que quero de fato ouvir o que os amigos, e as pessoas interessadas, têm a dizer... 

Ultimamente está muito 'na moda' se falar em crime de ódio. E o que seria isso? São os crimes cometidos contra indivíduos com motivação específica em alguma característica do seu ser. Linchamentos de homossexuais, discriminação pela cor da pele, crimes praticados por conta da intolerância religiosa, ... E assim por diante. Esse assunto está sempre pairando na minha vida, embora eu faça um esforço tremendo para ignorá-lo, visto ter sim algumas opiniões bem formadas à respeito, e elas irem de encontro com essa midiatização do assunto. Mas, neste fim de semana, não tive como escapar. Eu assisto mais ao youtube do que à televisão. Sou uma espectadora ativa. Inscrevo-me nos canais que exibem conteúdos do meu interesse, comento quando acho que tenho algo a acrescentar, favorito, faço listas de reprodução... E também produzo conteúdo, através do blog NoTomDaPele. Aí, por conta do tipo de coisa que às vezes procuro - o Youtube faz esse tipo de peneira - um vídeo de documentário me apareceu como sugestão, e acabei me inscrevendo num canal que posta vídeos de vários programas daquele canal ID (Investigation Discovery). Meu Inglês é mais ou menos, e eu consigo me virar bem, no geral, com conteúdos no idioma, mesmo sem legendas. E, sim, eu tenho um gosto para conteúdo televisivo meio soturno, em alguns casos. 

E foi assim que cheguei ao documentário à respeito do assassinato de Matthew Shepard. E por que essa pessoa é importante? Bom... A história é longa, e cheia de nuances... Matthew Shepard era um rapaz de 21 anos, que morava e frequentava a faculdade no Wyoming, estado norte-americano. Em 1998, no mês de outubro, esse moço ficou mega famoso, por um motivo muito trágico. Foi morto na base da porrada. Esta última frase não descreve bem o horror que ele viveu, então, é claro, vamos explicar melhor. Matthew, um rapaz pequenininho e magrinho, foi encontrado no meio de um campo rural, amarrado a uma cerca de madeira, todo desfigurado, e ensanguentado, com fraturas no escalpo e uma hipotermia monstro, resultado das dezoito horas que passara lá naquele estado, no outono americano, até que alguém o visse e chamasse a polícia. Eu vi fotos do menino já no hospital para onde foi levado pela xerife que o socorreu, e lhes garanto que não são dignas de serem vistas por nenhum ser humano. E por isso não vou mostrá-las aqui... Fato é que ele foi socorrido e levado já em estado comatoso para o hospital, e lá permaneceu por mais cinco dias, até que seu coração parou de bater, e ele foi declarado morto. 

Seria mais uma história horrorosa de assassinato, aonde a população de uma cidade pequena se empenha para fazer justiça. Mais uma, em milhares... Mas esse caldo fedeu bem mais, e fedeu à nível federal. Literalmente... Vamos lá... Na noite anterior a seu resgate, Matthew fora a um bar da cidade de Laraime, conhecido por tolerar consumidores homossexuais e suas práticas. Sim... Matt era homossexual assumido, e pelo que pude apurar, era do tipo extravagante. O que quero dizer com isso? Não estou sendo preconceituosa aqui. Tenho amigos homossexuais extravagantes, e os menos estereotipados, como eu diria. Quando estou na rua com o segundo grupo, que é composto por alguns rapazes bem bonitos, não passamos por nenhum tipo de constrangimento, a não ser as eventuais paqueras de mulheres que não os conhecem - como disse, eles são bonitos. Por que eles passam de fato bastante desapercebidos, por terem um jeitão mais másculo de agir. Tenho amigos mais extravagantes também. Esses... Falam fino, desmunhecam, entendem tudo de moda, usam acessórios que um homem normalmente não usaria, e em algumas situações são mais femininos que eu - e isso é tão frustrante... Normal, ninguém é igual, cada um tem seu jeito de ser. E eles são bons amigos meus, gostam de mim, e eu deles. Mas, quando estou com um desses amigos, a realidade se faz mais presente. Temos que evitar alguns locais em que há frequência de pessoas não simpatizantes, há sempre um medo do que pode acontecer quando estamos em locais dominados por grupos de ódio... Enfim... Esses meus amigos não passam desapercebidos numa multidão. E, pelo que apurei, este era o caso com o menino Matthew. 

Então, ele foi a este bar, que era aparentemente frequentado por pessoas que não encanavam com a extravagância dele, e encontrou dois outros rapazes, da mesma idade. Uma breve conversa, e os três saíram juntos de lá. Matt entrou na pick up de um deles, e na manhã seguinte foi encontrado pela xerife. Xerife esta que, em dado momento, encheu a boca para dizer que em menos de vinte e quatro horas os suspeitos da barbárie já estavam presos, enaltecendo o serviço de investigação da cidade. Hum... O cara sai de um bar cheio de testemunhas com dois rapazes da cidade, que todo mundo conhece, entra no carro de um deles, e aparece em condições desumanas horas depois... Hum... Excelente trabalho de investigação. Enfim... Esta moça tem seu mérito por outros motivos... Um deles é o fator humano. Quando encontrou Matt, suas luvas de trabalho, aquelas que os policiais usam para manusear cenas de crimes, não estavam de acordo. Furaram, a qualidade não era boa. Ela, mesmo assim, não exitou. Na ânsia de salvar o rapaz meteu a mão no corpo ensanguentado dele sem luvas mesmo, e cortou o barbante que o prendia à cerca de madeira. Foi humana, corajosa e com certeza é uma excelente pessoa, que teve que lidar com um turbilhão de coisas, e o fez com graciosidade, durante tudo o que aconteceu. 

Comércio em Laraime. Foto cortesia de Wikipedia.
Continuando... Aaron McKinney e Russell Henderson bem tentaram forjar álibis com suas namoradas à época. Mas ficou difícil não responsabilizar os dois que haviam saído do bar com Matt, depois que um deles arranjou mais uma confusão durante a madrugada, que trouxe a polícia até ele, e à sua pick up, que guardava alguns documentos e os sapatos de Matt... Aí, mesmo que a xerife quisesse, não ia conseguir inventar qualquer coisa para exonerá-los. Eles foram presos e as investigações começaram, enquanto, com uma velocidade rápida, grupos de defesa dos homossexuais já estavam no caso, e já faziam de Matt seu mártir. 

Um rapaz bacana. Estudante de universidade, ciências políticas. Queria se dedicar ao ativismo pela sua causa depois de formado. Fazia parte de um grupo na faculdade pelos direitos dos homossexuais. Uma graça, um amor, de boa família. Os pais morando na Arábia Saudita, à trabalho... Um exemplo... Voltara para os Estados Unidos depois de ter sido violentado no Marrocos. Tadindo dele... Hum... Arrisco-me a dizer que os grupos de defesa da causa chegaram a ele antes dos pais, que encararam uma viajem de 36 horas para ver seu filho no hospital, dando os últimos suspiros.

A essa altura a xerife já tinha sido avisada que teria que tomar o coquetel medicamentoso contra o HIV, pois tinha sido exposta ao vírus. Quando? Quando resgatou Matt sem luvas em suas mãos com manicure feita, e feridas de cutículas abertas... Então Matt era portador de HIV? Essa nem a mãe dele sabia... Só pra constar, a xerife está bem, não foi infectada. 

Enquanto o mundo recebia as notícias mastigadas e divulgadas que serviam às agendas políticas de grupos de defesa de direitos civis, algumas pessoas mais críticas resolveram fazer perguntas. E uma que já deixo aqui, é esta: vc tem 21 anos, é aluno de uma universidade, já foi brutalmente violentado, tem HIV, que deve ter pegado em alguma situação pouco favorável, está numa cidade de interior cheia de pretensos machões, e vai entrar numa pick up com dois estranhos? Pois é, este foi o quadro pintado. Matt teria conhecido os dois assassinos no bar, talvez tivesse paquerado os meninos, e o que eles alegam é que sim, foram paquerados, e num roupante de raiva da bichona, resolveram fingir que eram gays também, para levá-lo para outro lugar e dar-lhe uma lição. Ok, possível... Matt, esse menino de ouro, estudante de ciências políticas, ia simplesmente entrar num carro com dois desconhecidos? Isso levantou suspeitas, e um jornalista investigativo, Stephen Jimenez, fez sua lição de casa. Foi a Laramie e entrevistou pessoas, pesquisou sobre a vida de Matt, antes dos fatos ocorridos, e escreveu suas conclusões num livro de 2013, chamado 'Verdades Ocultas Sobre a Vida de Matthew Shepard'. E aí, o quadro que se pintou foi bem diferente...

Matt aparentemente era mesmo todo esse anjo de menino, até passar pela triste experiencia da violência sexual no Marrocos. Deprimiu, justificadamente, e se sentia um peixe fora d'água. Resolveu voltar pra casa, para os Estados Unidos, e foi com o pretexto de estudar. Na verdade, queria se sentir bem vindo em algum lugar. Laramie parecia ser um bom paraíso. Cidade pequena, povo amistoso, do tipo que não se intromete na sua vida. Têm até um lema: viva e deixe viver. E a faculdade do estado do Wyoming ficava lá. Com um bom programa de políticas públicas e um grupo de ativismo gay. Que bacana. Mas nós sabemos que uma tristeza dessas, uma depressão, não se apaga mudando de endereço. Matt passava por bons momentos, e por momentos ruins. E, nos momentos ruins, tentou melhorar como pôde. Sofria demais, como boa parte dos homossexuais até se resolverem e pararem de procurar por eterna aprovação. Buscou consolo nas drogas, e na vida sexual... Como muitos fazem. De consumidor, a traficante, para manter o vício. Isso tudo sem a anuência dos pais, que achavam mesmo que Matt estava apenas empenhado em estudar. Ele sempre fora um bom menino. 

Foi assim que conheceu Aaron McKinney. Um vendia droga para o outro. Aaron era um local. Nascido e criado em Laramie. Passou por uns mal bocados na infância, e tinha a simpatia de algumas pessoas da cidade, que faziam vistas grossas para suas inúmeras transgressões. Seu amigo Russell Henderson também passara por necessidades. Mas tinha uma boa família. Uma avó que o criou, e amigos que sempre lhe apoiavam. Era um bom rapaz. Se meteu com Aaron. Acho que esse foi o problema. Testemunhas disseram à Jimenez que Aaron possivelmente também já tivesse tido algum envolvimento amoroso com Matt. Ou seja, eles se conheciam. E isso faz mais sentido. Mais sentido ainda faz a motivação para o crime, que não foi o ódio. Ou, não teria sido... Aaron queria roubar um carregamento de metanfetamina da casa do Matt. isso justificaria a polícia ter encontrado as chaves do dormitório da vítima na pick up de Russell. Ah... De acordo com a investigação de Jimenez, a morte de Matt teria sido fruto de um desacerto entre traficantes... E não um crime de ódio. Isso foi dito em 2013, bem depois do ocorrido, bem depois da morte de Matt ter inflamado todo um movimento, e quatro anos após um novo ato, uma nova lei, assinado por Barack Obana, tornando as punições para crimes de ódio mais severas. Só para constar, e já queimar alguns argumentos, Jimenez é gay... Não escreveu o livro querendo desmascarar nenhuma agenda política do ativismo. Segundo ele, quer apenas que sua bandeira seja levantada da maneira correta. 

Capa do livro de Stephen Jimenez.
Imagem cortesia de Wikipedia.
E por que nada disso foi dito antes? Falemos do julgamento. Os dois acusados fizeram acordo para escapar à pena de morte. E, nos acordos, uma cláusula proibindo que os dois viessem a qualquer momento de suas vidas à mídia para contar qualquer coisa pertinente ao caso. Ou seja, eles estão cumprindo duas penas de prisão perpétua consecutivas cada um, sem direito à condicional - ficarão a vida toda na cadeia -, e não podem ser sequer questionados à respeito do caso por repórteres, jornalistas,... Nem eles, e nem seus advogados... Hum... O argumento dos pais de Matt para tal cláusula é de que eles não queriam ver os assassinos de seu filho glorificados pela mídia. Faz sentido. E, vamos lembrar que tudo essa nova teoria foi publicada 15 anos após o crime, e não pode ser confirmada pela parte mais importante ainda viva: Aaron. Matt está morto e não tem como rebater as acusações de tráfico. E, se ele traficou... Alguém mais além de Aaron comprou dele. Jimenez pode apresentar essas pessoas? Depois de quinze anos, isso não seria um problema perante à justiça. 

Voltando aos assassinos... A prisão perpétua foi justa? Sim... Afinal, torturaram e mataram um rapaz com requintes de crueldade. E não me interessa o motivo. Quem tem coragem de deixar um rapaz sangrando até a morte, nas condições que eles deixaram Matt, não deve ter muita consciência das coisas, e matar de novo, se soltos, seria uma questão de tempo. 

Na próxima postagem refletiremos sobre essa história, o que a repercussão dela causou em termos sociais e políticos, e como a questão da discriminação é vista, e o que eu penso à respeito... 



JulyN.

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